quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Reitoria da UFG brincando de o mestre mandou

Só uma criança a quem a ideia de coelhos da pascoa ainda pareça aceitável acredita no conto de que a polícia já não está dentro do campus. Por Ian, o Ortodoxo
            
No dia 27 de Janeiro deste ano saiu, em um importante veículo da mídia impressa local, O Popular, uma matéria sobre consumo e venda de drogas dentro das dependências da Universidade Federal de Goiás (UFG), dentre outros delitos. A nobre intenção cívica, leitmotiv da matéria, parecia ser alertar a população e o desavisado corpo administrativo da universidade sobre os calamitosos problemas que têm ocorrido na universidade e o inadmissível risco ao qual estudantes e professores estão expostos, sendo permitida a entrada e atuação deste tipo de “mau elemento” em tão nobre e civilizado recanto. Vale lembrar que O Popular parece realmente estar preocupado com a segurança e o bem estar dos alunos da UFG, pois não é a primeira vez (e parece ser cada vez mais recorrente) que este tipo de matéria é publicada pelo jornal.
           
As matérias têm demonstrado reiterado interesse em expor o estado de desproteção e preocupante insegurança ao qual estão submetidos professores e alunos dentro da UFG; e, seguindo o exemplo dos memoráveis alquimistas, implicitamente sugerem uma solução mágica – que, aliás, tem sido a tônica do governo em Goiás – a polícia, esta panaceia cada vez mais ofertada para todos os males do mundo.
            Há muito tempo este tem sido um pé de guerra em diversas universidades públicas pelo país: a entrada de policiais dentro dos campi universitários. Só uma criança a quem a ideia de coelhos da pascoa ainda pareça aceitável acredita no conto de que a polícia já não está dentro do campus. Não estar de farda não significa não estar em serviço. Sabemos também que a polícia tem outras preocupações, além de “combater” furtos e tráfico de substâncias ilícitas. A polícia também tem o nobre dever, e este é notadamente prioritário em relação ao primeiro, de proteger a sociedade contra a “subversão da ordem”. Portanto é evidente o interesse da ampliação do acesso da polícia aos pátios e prédios da UFG.
            O que não faltam são estudos comprovando que esta solução mágica é tal qual a ideia dos antigos alquimistas no desejo de criar quimeras, nada senão ignorância patética. Claro que não estou aqui a dizer que estes veículos de mídia e os interessados por trás destes sejam ingênuos, somos adultos o bastante para entender que as intenções explicitadas não são necessariamente as verdadeiras e que o interesse pelo resultado não precisa estar explícito naquilo que o gera.
            O problema todo é quando o corpo administrativo da universidade, representado na figura do magnífico reitor, resolve, como bom jogador de “o mestre mandou”, abaixar a cabeça acatando certos clamores disparatados.
            Basta dizer que após a matéria publicada no dia 27, foi dada a ordem, do prédio da reitoria, para que se destruíssem as mesas do bosque. Para quem não conhece, o pátio citado na matéria (pátio da faculdade de comunicação) é povoado por mesas de convívio; e o bosque – ao qual têm-se acesso a partir do pátio mencionado – também tinha mesas de convívio.
            No terreno onde deveria imperar a “decisão técnica”, ou seja, a análise do problema com base em fatos e avaliações técnico-científicas, mandou foi a capa do jornal e os espíritos alvoroçados do prédio da reitoria.

            Talvez devêssemos ter pena do reitor e do corpo administrativo, pois parece mesmo simples ignorância desconhecer diversos estudos, alguns mesmo realizados ali no seio daquela instituição, que provam que a melhor maneira de trazer segurança a um lugar e minar as “atividades criminosas” que ali ocorrem é promover a ocupação daquele espaço, tornando-o povoado, utilizado, frequentado, não isolado. Claro, poder-se-ia dizer que houvesse ai simples ignorância, mas eu – particularmente – não sou tão dado à piedade. Existem casos de ignorância, este me parece um caso de interesse.
            Por exemplo, queixam-se que o bosque é um local de destacada criminalidade dentro da universidade e acentua-se a gravidade desta durante o período da noite, mas não me lembro do honrado jornal mencionar que há sistema de iluminação no bosque e que este, curiosamente, não é ligado durante o período noturno.
            Além da contraproducente atitude tomada frente ao problema – o extermínio de um espaço de convívio – a reitoria parece cada vez menos disposta a dar ouvidos aos interesses da comunidade acadêmica em geral, basta ver que algumas decisões de impacto expressivo na vida universitária simplesmente são tomadas sem debates ampliados, acerca de um espaço que pertence a todo o corpo universitário e onde mudanças produzidas impactam a comunidade diretamente; outro exemplo foi a privatização do hospital das clínicas – a reitoria insiste em dizer que “não há privatização”, se alguém gosta de acreditar em ilusões, esta é uma boa de se fiar – que, depois de duas reuniões absolutamente conturbadas e passíveis de questionamento, foi aprovada e noticiada no site da instituição com a foto do contrato sendo assinado por pessoas sorridentes. Se consultarmos, ver-se-á que os que trabalham no hospital das clínicas certamente não estão com sorrisos tão abertos. E a execução destas medidas impopulares, como temos visto, tem sido feita nos períodos de recesso, o que diminui a possibilidade de contestação.
            Minar os espaços de convívio da universidade associando isso à maior aceitação da atuação da polícia dentro dela é uma atitude sábia. O convívio dentro da universidade favorece os laços entre estudantes e também entre estes e os outros membros da comunidade acadêmica. Criar e ampliar laços não é algo bem quisto, pois vínculos entre as pessoas facilitam a queda de certas máscaras e favorecem a articulação para luta por mudanças. Diminuir isso significa otimizar o controle sobre a comunidade universitária, o que torna tudo muito mais fácil. E mais ainda quando a polícia pode folgadamente perambular tomando nota de tudo que vê e ouve. O bosque era um espaço onde os ditames burocráticos com dificuldade penetravam, onde, portanto, o controle da reitoria era limitado. Como uma criança contrariada e geniosa, a reitoria preferiu a tática do governe ou destrua.
            Basta darmos uma olhada nos locais de trabalho, principalmente nas grandes empresas (peguemos call-centers onde o tempo de intervalo é escalonado e regradíssimo; ou a nova modalidade de “intervalo flexível” onde o trabalhador escolhe seu horário de pausa, mas curiosamente só podem sair um por vez; os exemplos são infinitos e não quero entediá-los à morte) e nos grandes centros de comércio, as estruturas para convívio entre os trabalhadores inexiste, e estudos mostram que grandes empresas inclusive preferem trabalhadores que residam mais distantes uns dos outros. Isso dificulta articulações, por exemplo, para greves. Como a universidade não é uma bolha e tem de cumprir sua função social, nada menos inesperado do que seguir os bons exemplos.
            Aliás, este é o último ponto. Parece-me incompreensível este espanto, esta constatação do inaceitável, do “crime” dentro da universidade, como se este lugar fosse uma santa imaculada que não suportasse ter em si as contradições do mundo no qual é inserida. Se queremos pensar em redução da criminalidade, é pensar isso primeiramente sem panaceias, mas principalmente como um problema geral. E não como o “triste caso” dos jovens da terra do nunca que estão tendo à porta do seu santuário os problemas do mundo. 



Sob outro ponto de vista: 
            Claro que as pessoas contrariadas tendem a chiar, e quem ouve a insatisfação deve a mínima cortesia de uma resposta, então vamos tentar avaliar algumas das justificativas da reitoria:
            A reitoria alega que a demolição das mesinhas faz parte de um projeto de revitalização do bosque, esta revitalização inclui, segundo eles, novas mesas e também um sistema novo de iluminação. O que vale perguntar é, por que então começar o trabalho logo depois das “sugestões” da imprensa? Qualquer um minimamente familiarizado com trâmites burocráticos deste porte sabe que para estas coisas, em tese, há de se estipular prazos. Seria de uma coincidência metafisicamente improvável que este prazo tenha sido fixado precisamente após a “bem intencionada” matéria d’O Popular. Um dos argumentos da reitoria é incentivar o uso do espaço mais aberto da mata, pois, segundo eles, a utilização da área fechada favorecia a criminalidade. Parece-me curioso, precisamente porque as mesinhas eram situadas no espaço mais aberto do bosque. Quanto ao sistema de iluminação, se melhorado, melhor, mas é como eu disse anteriormente, já existe um e ele não é ligado no período noturno.
            A reitoria, se cumprir o que está prometendo, há de perdoar meu ceticismo, e há de fazê-lo uma vez que já foram ouvidas conversas semelhantes. Como por exemplo, na questão do brioche. No mesmo famigerado pátio em questão, há um espaço subterrâneo que outrora era uma lanchonete, hoje é um galpão abandonado que serve de depósito improvisado; há tempos há a promessa de que este espaço seja entregue aos estudantes, como uma estrutura para realização de pequenos eventos culturais (sarais, cineclube...), bem como com mesas e outros aparelhos para estudo coletivo e convívio.
            A proposta é avançada e linda, assim como parece ser a do bosque, mas o brioche ainda é um galpão e só existe, tal qual no projeto, no projeto. E o bosque?

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