Só uma criança a quem a ideia de coelhos da pascoa ainda pareça aceitável acredita no conto de que a polícia já não está dentro do campus. Por Ian, o Ortodoxo
No dia 27 de Janeiro deste ano saiu,
em um importante veículo da mídia impressa local, O Popular, uma matéria sobre consumo e venda de drogas dentro das
dependências da Universidade Federal de Goiás (UFG), dentre outros delitos. A
nobre intenção cívica, leitmotiv da
matéria, parecia ser alertar a população e o desavisado corpo administrativo da
universidade sobre os calamitosos problemas que têm ocorrido na universidade e
o inadmissível risco ao qual estudantes e professores estão expostos, sendo
permitida a entrada e atuação deste tipo de “mau elemento” em tão nobre e
civilizado recanto. Vale lembrar que O
Popular parece realmente estar preocupado com a segurança e o bem estar dos
alunos da UFG, pois não é a primeira vez (e parece ser cada vez mais
recorrente) que este tipo de matéria é publicada pelo jornal.
Há muito tempo este tem sido um pé
de guerra em diversas universidades públicas pelo país: a entrada de policiais
dentro dos campi universitários. Só uma criança a quem a ideia de coelhos da
pascoa ainda pareça aceitável acredita no conto de que a polícia já não está
dentro do campus. Não estar de farda não significa não estar em serviço.
Sabemos também que a polícia tem outras preocupações, além de “combater” furtos
e tráfico de substâncias ilícitas. A polícia também tem o nobre dever, e este é
notadamente prioritário em relação ao primeiro, de proteger a sociedade contra
a “subversão da ordem”. Portanto é evidente o interesse da ampliação do acesso
da polícia aos pátios e prédios da UFG.
O que não faltam são estudos
comprovando que esta solução mágica é tal qual a ideia dos antigos alquimistas
no desejo de criar quimeras, nada senão ignorância patética. Claro que não
estou aqui a dizer que estes veículos de mídia e os interessados por trás destes
sejam ingênuos, somos adultos o bastante para entender que as intenções
explicitadas não são necessariamente as verdadeiras e que o interesse pelo
resultado não precisa estar explícito naquilo que o gera.
O problema todo é quando o corpo
administrativo da universidade, representado na figura do magnífico reitor,
resolve, como bom jogador de “o mestre mandou”, abaixar a cabeça acatando
certos clamores disparatados.
Basta dizer que após a matéria
publicada no dia 27, foi dada a ordem, do prédio da reitoria, para que se
destruíssem as mesas do bosque. Para quem não conhece, o pátio citado na
matéria (pátio da faculdade de comunicação) é povoado por mesas de convívio; e
o bosque – ao qual têm-se acesso a partir do pátio mencionado – também tinha
mesas de convívio.
No terreno onde deveria imperar a
“decisão técnica”, ou seja, a análise do problema com base em fatos e
avaliações técnico-científicas, mandou foi a capa do jornal e os espíritos
alvoroçados do prédio da reitoria.
Talvez devêssemos ter pena do reitor
e do corpo administrativo, pois parece mesmo simples ignorância desconhecer
diversos estudos, alguns mesmo realizados ali no seio daquela instituição, que
provam que a melhor maneira de trazer segurança a um lugar e minar as
“atividades criminosas” que ali ocorrem é promover a ocupação daquele espaço, tornando-o
povoado, utilizado, frequentado, não isolado. Claro, poder-se-ia dizer que houvesse
ai simples ignorância, mas eu – particularmente – não sou tão dado à piedade.
Existem casos de ignorância, este me parece um caso de interesse.
Por exemplo, queixam-se que o bosque
é um local de destacada criminalidade dentro da universidade e acentua-se a
gravidade desta durante o período da noite, mas não me lembro do honrado jornal
mencionar que há sistema de iluminação no bosque e que este, curiosamente, não
é ligado durante o período noturno.
Além da contraproducente atitude
tomada frente ao problema – o extermínio de um espaço de convívio – a reitoria
parece cada vez menos disposta a dar ouvidos aos interesses da comunidade
acadêmica em geral, basta ver que algumas decisões de impacto expressivo na
vida universitária simplesmente são tomadas sem debates ampliados, acerca de um
espaço que pertence a todo o corpo universitário e onde mudanças produzidas
impactam a comunidade diretamente; outro exemplo foi a privatização do hospital
das clínicas – a reitoria insiste em dizer que “não há privatização”, se alguém
gosta de acreditar em ilusões, esta é uma boa de se fiar – que, depois de duas
reuniões absolutamente conturbadas e passíveis de questionamento, foi aprovada
e noticiada no site da instituição com a foto do contrato sendo assinado por
pessoas sorridentes. Se consultarmos, ver-se-á que os que trabalham no hospital
das clínicas certamente não estão com sorrisos tão abertos. E a execução destas
medidas impopulares, como temos visto, tem sido feita nos períodos de recesso,
o que diminui a possibilidade de contestação.
Minar os espaços de convívio da
universidade associando isso à maior aceitação da atuação da polícia dentro
dela é uma atitude sábia. O convívio dentro da universidade favorece os laços
entre estudantes e também entre estes e os outros membros da comunidade
acadêmica. Criar e ampliar laços não é algo bem quisto, pois vínculos entre as
pessoas facilitam a queda de certas máscaras e favorecem a articulação para
luta por mudanças. Diminuir isso significa otimizar o controle sobre a
comunidade universitária, o que torna tudo muito mais fácil. E mais ainda
quando a polícia pode folgadamente perambular tomando nota de tudo que vê e
ouve. O bosque era um espaço onde os ditames burocráticos com dificuldade
penetravam, onde, portanto, o controle da reitoria era limitado. Como uma
criança contrariada e geniosa, a reitoria preferiu a tática do governe ou destrua.
Basta darmos uma olhada nos locais
de trabalho, principalmente nas grandes empresas (peguemos call-centers onde o tempo de intervalo é escalonado e regradíssimo;
ou a nova modalidade de “intervalo flexível” onde o trabalhador escolhe seu
horário de pausa, mas curiosamente só podem sair um por vez; os exemplos são
infinitos e não quero entediá-los à morte) e nos grandes centros de comércio,
as estruturas para convívio entre os trabalhadores inexiste, e estudos mostram
que grandes empresas inclusive preferem trabalhadores que residam mais
distantes uns dos outros. Isso dificulta articulações, por exemplo, para
greves. Como a universidade não é uma bolha e tem de cumprir sua função social,
nada menos inesperado do que seguir os bons exemplos.
Aliás,
este é o último ponto. Parece-me incompreensível este espanto, esta constatação
do inaceitável, do “crime” dentro da universidade, como se este lugar fosse uma
santa imaculada que não suportasse ter em si as contradições do mundo no qual é
inserida. Se queremos pensar em redução da criminalidade, é pensar isso
primeiramente sem panaceias, mas principalmente como um problema geral. E não como
o “triste caso” dos jovens da terra do nunca que estão tendo à porta do seu santuário
os problemas do mundo.
Sob
outro ponto de vista:
Claro que as pessoas contrariadas
tendem a chiar, e quem ouve a insatisfação deve a mínima cortesia de uma
resposta, então vamos tentar avaliar algumas das justificativas da reitoria:
A
reitoria alega que a demolição das mesinhas faz parte de um projeto de
revitalização do bosque, esta revitalização inclui, segundo eles, novas mesas e
também um sistema novo de iluminação. O que vale perguntar é, por que então
começar o trabalho logo depois das “sugestões” da imprensa? Qualquer um
minimamente familiarizado com trâmites burocráticos deste porte sabe que para
estas coisas, em tese, há de se estipular prazos. Seria de uma coincidência
metafisicamente improvável que este prazo tenha sido fixado precisamente após a
“bem intencionada” matéria d’O Popular.
Um dos argumentos da reitoria é incentivar o uso do espaço mais aberto da mata,
pois, segundo eles, a utilização da área fechada favorecia a criminalidade.
Parece-me curioso, precisamente porque as mesinhas eram situadas no espaço mais
aberto do bosque. Quanto ao sistema de iluminação, se melhorado, melhor, mas é
como eu disse anteriormente, já existe um e ele não é ligado no período
noturno.
A
reitoria, se cumprir o que está prometendo, há de perdoar meu ceticismo, e há
de fazê-lo uma vez que já foram ouvidas conversas semelhantes. Como por
exemplo, na questão do brioche. No mesmo famigerado pátio em questão, há um
espaço subterrâneo que outrora era uma lanchonete, hoje é um galpão abandonado
que serve de depósito improvisado; há tempos há a promessa de que este espaço
seja entregue aos estudantes, como uma estrutura para realização de pequenos
eventos culturais (sarais, cineclube...), bem como com mesas e outros aparelhos
para estudo coletivo e convívio.
A
proposta é avançada e linda, assim como parece ser a do bosque, mas o brioche
ainda é um galpão e só existe, tal qual no projeto, no projeto. E o bosque?
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